“Amor
à Pátria que me exclui”
Introdução
No
Brasil, existem três regiões que muito exportaram seus habitantes desde o
início da urbanização por conta do êxodo rural. Do Nordeste saíram milhares de
pessoas basicamente para São Paulo; de Minas Gerais saíram milhares de pessoas
basicamente para Brasília; do Rio Grande do Sul saíram milhares de pessoas para
vários pontos do País e exterior.
O
Brasil dos tempos atuais deve ter quase um milhão de brasileiros no exterior.
Esta
postagem vem à página depois de muito incentivo nascido das análises entre
amigos e é dedicada muito mais aos rio-grandenses e mais ainda nesta semana em
que pelo Brasil e no Exterior existem rio-grandenses comemorando a “Semana
Farroupilha” que, na verdade, celebra um período de cerca de 10 anos em que o
Rio Grande do Sul foi uma república separada do Brasil e movendo uma guerra
contra o Império sediado no Rio de Janeiro.
Há
uma possibilidade de as outras duas regiões também merecerem aqui uma abordagem
especial, futuramente, incluindo-se o Lula, presidente que, como sabemos, é um
retirante nordestino que se radicou em São Paulo.
Os
chamados gaúchos – que não é um gentílico apropriado, eis que existem gaúchos
nascidos e radicados no Uruguai e na Argentina – são membros de uma cultura
especial – refaço o termo: os sulriograndenses expulsos de suas querências
mantêm um irresistível amor por suas querências, comumente chamadas de pátrias.
Como
explicar isso?
Convocamos
o pesquisador Mano Terra, na condição de mais um retirante e este sim, gaúcho
de origem, para emprestar-nos seus dados destinados a enriquecer este artigo.
Quem
é o retirante que leva o RS na alma?
Preliminarmente,
um conceito para gaúcho: homem rural, campeiro, lidador em espaços amplos,
vaqueiro, cavaleiro, marginalizado pelo mundo oficial, de hábitos muitos
especiais quanto à natureza, habitante do Extremo Sul da América Meridional, de
nacionalidade brasileira, uruguaia, argentina e um pouquinho paraguaia. Falo da
Pampa, uma região especialmente campeira, de pastos, sem muitas florestas, onde
prosperou o gado vacum e chamou à obra os cavaleiros. Seria um deserto verde
não fossem as vacas e os bois trazidos da Europa no início do século XVII.
Ainda
sobre o nome “gaúcho”. Muito recentemente o substantivo gaúcho, como foi dito
superficialmente nas linhas precedentes, foi transformado em adjetivo e
utilizado como gentílico de todos os habitantes do Rio Grande do Sul, o que
conflita com a existência de numerosos substantivos entre a população nascida e
fixada no Uruguai e na Argentina.
Este
ensaio dedicar-se-á à interpretação, à análise e à manifestação de um
entendimento sobre o fenômeno da Cultura Gaúcha dentro e fora da região de sua
origem.
Em
qualquer lugar do mundo em que haja um gaúcho (e aí, sim, referindo-se às
pessoas nascidas no Estado do Rio Grande do Sul), ali se encontra alguém com
fortes ligações emocionais com sua querência (termo usado no Rio Grande do Sul
para definir a terra natal). Mais do que qualquer outro brasileiro, os
sulriograndenses chegam a ser exagerados na sua paixão por alguma coisa que se
confunde com o território geográfico, mas vai além, como se verá.
Veremos
que o espírito do gaúcho original, um mestiço índio, seu amor pela terra,
acabou assimilado até mesmo pelos europeus que vieram para o RS depois de 1750.
Certa
vez o jornalista João Fábio Caminoto escreveu na revista Veja a respeito dos
gaúchos desterrados e habitantes de outros espaços no Brasil e fora: “É como se
levassem o Rio Grande do Sul nas costas”. E não é nas costas que se leva o Rio
Grande do Sul, como veremos.
Porém,
esse levar nas costas, não está nas costas, pois não inclui a terra, não uma
mochila, não tem peso. Eles não querem voltar, não voltarão para o território
geográfico que chamam de “Rio Grande”. Há uma outra explicação para isso. O Rio
Grande vai na alma.
Do
ponto de vista comunitário, nos lugares onde se fixam, além de uma cooperativa
(também herdada, mas principalmente herança europeia), eles se organizam
culturalmente em centros de tradição gaúcha, sob cujo teto revivem, rememoram e
mantêm vivas a linguagem, o vestuário, a literatura, as comidas, a principal
bebida, o mate, as danças, as músicas, as poesias e vários outros usos e
costumes. Ali existe um “Rio Grande” subjetivo, que vai, adiante, merecer nossa
atenção.
A
Diáspora
Normalmente,
por diáspora, devemos entender um movimento forçado de saída de um povo de onde
está para escapar de perseguição, escravidão ou outra ameaça à sua existência.
Mas, o êxodo de gaúchos sulriograndenses para muitos lugares acabou por ter
componentes de uma diáspora: essa parcela de brasileiros foi perseguida pelo
modelo econômico excludente e estava ameaçada de fome e miséria. Logo, o que
houve ali foi, sim, uma diáspora. Não foi organizada, não teve um líder, mas
foi uma diáspora.
Sua
saída daquele Estado para ocupar inúmeros espaços pelo Brasil a fora e fora do
Brasil, tem componentes dramáticos: deixa(va)m, muitas vezes, seus pais e parte
de sua família para conquistar espaços de superação. São, de longe, no Brasil,
os mais numerosos retirantes saídos de uma mesma unidade, federativa: cerca de
dois milhões atualmente. E podem ser apontados como a mais exuberante
experiência de sucesso empreendedor; são raros os casos (lá fora) que não deram
certo.
Amor
pela Pátria que me expulsa
A
nota marcante desses aventureiros venturosos é o amor pelo que chamam de Rio
Grande e que, de certa forma, choca as demais pessoas dos destinos que os
recebem. Antes, porém, de tentar explicar esse fenômeno sob a ótica do “Amor à
Pátria que me expulsa”, objetivo deste Ensaio, cabe um dado formidável: os
retirantes são, na sua quase totalidade, descendentes de imigrantes chegados ao
Rio Grande do Sul a partir de 1824, expatriados oriundos da Europa, que
encontraram no Brasil pequenas propriedades onde prosperaram e geraram muitos
filhos.
Já
nas décadas iniciais da República, o Brasil oligarca e latifundiário deveria
ter implementado uma Reforma Agrária, pela qual talvez a maioria desses gaúchos
tivesse permanecido sobre os latifúndios tupiniquins regionais, transformados.
Não foi assim. Os primeiros governos republicanos estavam empapuçados de um
ideal capitalista da grande propriedade e fez questão de desconhecer a função
social da pequena e média propriedade.
Naquele
mesmo período, os imigrantes foram alcançados por duas grandes guerras envolvendo
seus países de origem, que repercutiram a guerra aqui no Brasil e eles nem
mesmo podiam se dizer brasileiros, pois por conta do abandono governamental em
que foram mantidos, nem mesmo a língua nacional haviam podido aprender.
Nesse
tempo surge o CTG (centro de tradição gaúcha) com cultivos que lhes eram
agradáveis e foi assim que, misturando-se aos peões campeiros de ofício, os
agricultores imigrantes se fizeram gaúchos culturais.
O
CTG nasceu rural, teve sede urbana, mas jeito e feitio rural. Urbanizou-se depois de
1970, quando o êxodo rural fez incharem as cidades e os ex-rurais, urbanizados,
continuaram agregados aos centros de arte e cultura tradicionais do gaúcho
ancestral e campeiro.
Muito
antes de 1970, ao escassear a terra para produzir e sem outra alternativa para
sobreviver, imensas levas rurais deixaram para trás o Rio Grande do Sul nos
rumos dos espaços disponíveis desde Santa Catarina até Roraima e países
vizinhos. Coincidiu que por estes tempos os latifúndios, aos poucos, também,
iam se transformando em lavouras mecanizadas e tornando mais profunda a chaga:
colocavam-se máquinas no lugar de trabalhadores braçais.
Os
excluídos ou iam para as cidades, diga comumente para as favelas ou se metiam
nas serranias e savanas inexploradas da América.
Esses
“gaúchos” não de ofício e sim de cultura, demonstram seu “gauchismo” de uma
maneira inequívoca aonde quer que estejam. Já temos visto fanatismo religioso
ou ideológico, mas aqui não se trata disso, apesar de incluir crenças e
ideologias; trata-se de algo mais suave, romântico, e muito forte, quase
inexplicável.
O
que é o CTG?
Fundado
por jovens idealistas, filhos do interior rural, num tempo (1947) em que o
Brasil estava sendo invadido pela cultura norte-americana, o CTG tinha duplo
objetivo: (1) preservar as ricas tradições rurais a partir de um ícone humano
pobre e excluído, chamado gaúcho – como se descreverá adiante – e (2) com isso
contribuir para que o nosso país não viesse substituir seus valores culturais
por algo alienígena.
No
âmago dessa sociedade disposta à resistência, aparece a hierarquia da estância,
o patrão, o sota-capataz, os peões, a mulher, a prenda, as crianças e a
proposta: o galpão é um espaço para os iguais. Veladamente estava o desejo de
valorização dos mais fracos e nenhuma chance ao invasor, num magistral resgate
ao legendário grito “esta terra tem dono”, gritado como inconformidade do
cacique guarani, Sepé Tiaruju, contra a ideia de entregar as tabas e igrejas
missioneiras ao governo estrangeiro, no caso, português. Como se deduz, o
gaúcho ancestral nasceu falando guarani, depois espanhol e por último
português.
Portanto,
estas somas de índio, gaúcho, pobreza, honradez, autonomia, amor à terra, já
estavam delineadas não pelo CTG, mas pelo homem na sombra cultural de quem o CTG
foi buscar inspiração; o CTG era, é, o espelho das querências humanas.
Territorialidade
Tem-se
que a natureza é a fonte única dos recursos e subentende-se que fora da
natureza o homem estaria derrotado em sua pretensão de sobreviver. Pois foi
exatamente a minguada existência de recursos naturais que provocou a diáspora
de cerca de 2 milhões de gaúchos sulriograndenses desde os anos 1930. Com
algumas exceções, todos viveram, vivem, são felizes longe do Rio Grande do Sul,
mas uma coisa intriga qualquer pesquisador: em sua maioria continuam tendo o
Rio Grande do Sul em seu imaginário como a querência do amor, da saudade.
Os
conceitos de território e territorialidade, no sentido de espaço ou área
definida e caracterizada por relações de poder, estão interligados. A noção de
poder, domínio ou influência de vários agentes (políticos, econômicos e sociais)
no espaço geográfico expressa a territorialidade, daí a afirmação: "entrar
em território alheio" poder ser considerada uma afronta. O território é o
espaço que sofre o domínio desses agentes, e à forma como eles moldam a
organização desse território que é chamado territorialidade.
Na política, o território é o espaço nacional controlado por um Estado - Nação.
Na política, o território é o espaço nacional controlado por um Estado - Nação.
Antes
das respostas sociológicas e antropológicas mais diretas sobre o fenômeno de
“Amor à Pátria que me expulsa”, é preciso explicar o território sob outros
pontos de vista. Nossos estudos concluem que o território é uma construção
conceitual a partir da noção de espaço. É onde se estabelece um clã, uma
população, uma nação, com um produto resultante da moldagem pela ação social;
espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e
fluxos que aí se instalam, acaba se tornando propriedades, cidades, rodovias,
canais, estradas ou ferrovias ou hidrovias, aeroportos, circuitos comerciais e
bancários, etc. etc., por exemplo, e se constituem em um complexo
jurídico-sócio-político-econômico e de fé, modelado pela multiplicidade de
paisagens e atividades características. Assim, a produção de um espaço ou
território nacional, contém os objetos espaciais, naturais e/ou construídos, na
condição de instrumentos exossomáticos,
(estão no íntimo humano sem clara percepção) para produção/reprodução de uma
identidade étnico-sócio-cultural.
O
modelo brasileiro de Estado e de propriedade nasceu do contexto pós-medieval
europeu. Sua característica maior é a forma de propriedade territorial, que se
expressa em uma soberania patrimonial excludente: “o que é meu é só meu” e não
afastou a figura do vassalo e do escravo.
A
afirmação nacional, a brasilidade, por exemplo, não se pauta apenas pela defesa
dos limites desse recorte jurídico-político-territorial-econômico e de fé.
Fronteiras políticas da individualidade estatal assinaladas na natureza
determinadas pela ação do Estado teriam muito pouco valor se o ocupante desse
espaço não se sentisse acolhido por ele. E quando este espaço não acolhe os
indivíduos, os expulsa dali por razões econômicas ou legais e, mesmo assim, os
indivíduos se mantêm vinculados ao espaço por razões afetivas, como explicar? É
a proposta e é a ação deste ensaio.
Pode
existir um território imaginário?
O
ocupante do espaço ecológico pode superpor o conforto proporcionado pela safra
que a terra entrega, mas ele pode estar infeliz por uma série de motivos e mais
ainda se não há terra e nem safra. Os experts falam do fator exossomático (já referido), que o
telúrio (essência da terra que vem com os alimentos – e no caso dos gaúchos, mais
ainda com o mate) poderia explicar, mas logo fica desmentido pelo fato de que,
nesse caso, quem nunca esteve no Rio Grande do Sul não poderia ser alcançado
por este sentimento e telúrio que se diz que a terra dá. Ademais, do outro lado
da fronteira, na Argentina (outro território) e no Uruguai (outro território)
temos exatamente o mesmo fenômeno. Já não se pode mais falar de território
geográfico e sim de territorialidade psíquica: uma alma gaúcha, uma consciência
gaúcha.
Então
quando os gaúchos se referem aos seus valores de cultura, o título genérico
para isso é a palavra “Rio Grande”, mas por dentro desse rótulo existe a
efetiva riqueza que não é a terra (propriamente) que dá.
O
componente “alma”
Existem
fronteiras que dividem povos, separam nações e distanciam culturas. Esse é o
entendimento dominante. Essas barreiras imaginárias já foram cenários de
batalhas sangrentas, em que pessoas se digladia(va)m com o objetivo de ampliar
o domínio geográfico e econômico de seus países. É isso que a história nos
narra e as notícias nos dão. Daí a ideia de as fronteiras serem conhecidas como
linhas vermelhas. Depende de como se entra no território alheio pode ser uma
afronta.
E
quando nada disso separa; pelo contrário, une.
É
assim que desejo embalar a abordagem da “Alma Gaúcha”, porém não tendo o Rio
Grande do Sul como matriz única desse fenômeno. Importante, sim. Única, não.
As
paisagens pelo planeta a fora são diversificadas, belas, maravilhosas, ricas em
ofertas minerais, vegetais, animais, humanas.
A
paisagem do Extremo Sul da América Meridional não pode ser comparada a nenhum
paraíso de rara beleza: não teve ouro, prata, pedras preciosas, pouquíssima
madeira, pouquíssima caça, alguns rios e lagoas, mas, nada exuberante, nada cativante.
Os seres humanos que aí viviam eram indomáveis índios e perigosos aventureiros,
sempre prontos a receber como inimigo quem se aproximasse.
Mas,
havia sobre esta terra dois clãs indígenas a destacar: os charruas e os
guaranis, dos quais o mestiço filho china (no caso a índia), chamado gaúcho,
herdou muitos valores que lhe modelaram a alma. Parece ter sido essa “alma” a
grande diferença cinzelada na índole do peão pobre, sucessor do gaúcho
ancestral, que deixou suas marcas culturais nas estâncias onde se ajustou como
trabalhador. E foram os valores da mãe guarani e sua própria habilidade campeira
astuta (da herança charrua) que transmitiram aos seus herdeiros o direito de
também se chamarem gaúchos e gauchos, na verdade, entre eles estavam guerreiros
que estiveram com Artigas na defesa da Pátria Uruguaia, também chamada
patriagaucha; e que estiveram (sem farda) ao lado dos farrapos na defesa da
Pátria Riograndense; estavam e estão os peões que prestaram e prestam serviços
às estâncias depois que os aramados foram estendidos; milicianos da já
mencionada Guerra Farroupilha; e soldados da cavalaria de Osório na Guerra do
Paraguai. E em outras peleias mais que foram muitas.
A
cultura gaúcha
O
primitivo personagem que dá causa à cultura campeira conessulista – o gouch provindo do idioma inglês – sempre
foi pejorativamente descrito por quem o detestava. Por isso era tido como maula
(má índole), ladrão, indisciplinado, valente. Em geral ninguém conseguiu passar
por sobre o seu cadáver.
Muitos
escritores escreveram sobre ele. Inclusive ingleses ao narrar e reclamar das
dificuldades de acesso ao território para o comércio dos vendedores ambulantes,
chamados mascates, com produtos da nascente indústria inglesa.
“Sentido
profundo de liberdade individual como consequência da vida nômade,
originalmente um rebelde, muitas vezes foragido da lei e com acentuado desapego
pela autoridade constituída”, é como o interpretou Danilo Antón, escritor
uruguaio.
“Nestas
planuras, o gaúcho é um homem sem a menor vocação para ficar sob as ordens de
terceiros”, disse, sobre ele, o escritor espanhol Félix de Azara, ao visitar a
região no final do século XVIII.
Para
a autoridade policial, era um ladrão, um sem-lei, um indisciplinado.
O
correto é, sem absolvê-lo de todo, descrevê-lo como um solitário, um rebelde,
um romântico, um ecológico, autônomo, nômade, excluído e pobre, extremamente
miserável do ponto de vista dos bens materiais e instrução escolar.
Possivelmente nunca tenha desejado a posse de nada além de um território, sua
Pátria.
Os
antropólogos com tendência humanista dizem de sua presença: “Uma vítima em
caráter mais profundo que o índio, porque este último possuía identidade étnica
e se organizava em tabas”. Ainda que marginalizado, o índio teve, mais tarde,
seus territórios reconhecidos, demarcados e respeitados. O mestizo, que era o caso desse filho da viúva da guerra guaranítica
(1756), de pai europeu ou negro, a exemplo de outros, sofreu pela crise de
identidade. No caso do gaucho, o que
chama a atenção é ele ter criado a sua marcante identidade pessoal e
intransferível, apesar dos pesares. Esses aspectos aumentam-lhe em muito a
importância e o correlaciona com o beduíno, outro marginalizado, porém com
identidade, ao menos, racial.
Quase
uma etnia, mais que uma etnia
É
indispensável, neste tópico, falar da força da cultura gaúcha. É muito difícil
encontrar um outro grupo social que se assemelhe aos gaúchos internacionais e
mais ainda aos sulriograndenses no exílio. Quando estes se mudam do Estado,
deixam apenas a terra, levam tudo mais: o linguajar, as vestimentas, a
alimentação, as bebidas, as danças e as músicas.
Localizados
em outros estados ou países, vivem dos frutos da terra e por força de outros
componentes amam à terra que muito lhes dá. Estejam onde estiverem, acompanham
pelas tevês a cabo os programas que tratam da cultura dos gaúchos. E mesmo nos
mais distantes rincões, onde estejam reunidas algumas famílias gaúchas, sempre
tem por perto um armazém que vende erva-mate, vinho de garrafão, salame,
queijo, charque...
O
curioso é que filhos de gaúchos, crianças e jovens nascidos em outros estados,
até mesmo aqueles que nunca viajaram ao Rio Grande do Sul, dizem que se sentem
inteiramente gaúchos. E é por isso que eles cultivam as tradições gaúchas com
uma dedicação que supera a de muitos que vivem no próprio Rio Grande do Sul.
Eles
amam o seu novo Estado, amam a terra que os recebeu, nunca querem voltar ao
ponto de onde saíram, mas se dizem gaúchos.
Dizem
amar profundamente sua querência. Os gaúchos amam sua nova terra por outros
motivos que inclui a terra e o que ela dá, a geografia, o território, a
produção, a riqueza. Isso não inclui a cultura, isto é, a alma.
Mais
uma vez se pode identificar algo etéreo, onde a geografia fica de fora. Os
gaúchos amam alguma coisa que chamam de Rio Grande, mas isso não existe no mapa
geográfico, pois amam também a terra que os recebeu de braços abertos. Nenhum
quer retornar ao Rio Grande. Claro, o que eles querem que permaneça já está com
eles.
Em
qualquer lugar do Brasil, os gaúchos, em geral se dedicam à agropecuária e amam
sua nova terra e seu novo estado. Mas continuam guardando total dedicação aos
usos e costumes gaúchos.
Põe,
antes, um fogo de chão
Nada
mais pode ser tão semelhante à alma humana quanto o fogo, a lavareda. No fundo,
cópia do majestoso Sol que dá vida aos planetas que o circundam.
Poucas
sociedades tiveram tanto contato com o fogo de chão quanto os chamados gaúchos:
peões de campo de uma região fria recolhidos aos galpões para descanso e lazer,
onde se incluem os de língua portuguesa e espanhola; peões das tropeadas e
acampamentos com repercussão em dois países sul-americanos e cinco estados
brasileiros; peões das roças inaugurais dos imigrantes, recolhidos aos
primitivos albergues coletivos antes de existirem as casas e os fogões; peões
dos cetegês em que o fogo de chão não é uma necessidade, é um imperativo
cultural.
Foi
ao redor dos fogos de chão que nasceu a cultura chamada gaúcha. Ela passa pelas
laçadas, pelos tropéis e tropeadas, mas o fogo de chão preside a comuna, com
todos igualmente iguais sob a roda de mate numa infinita transmissão de
conteúdos básicos de uma tradição que renasce a toda hora.
Essa
forja onde as almas são modeladas produz almas em série, cópias de séries para
outras gerações nascidas em qualquer parte do mundo e no tempo.
Essa
é a alma gaúcha impressa no coração e não registrada em cartório. Esse é o
coletivo das almas gaúchas de todas as línguas.
Território
é referência, não é endereço
Imagine
um gaúcho de origem italiana bem longe da Pátria. Descobre alguém falando sua
língua, fica feliz e se aproxima; descobre que são da mesma região e a
descoberta se torna ainda mais excitante. Mas, em seguida, a decepção: a pessoa
não é camarada, não se envolve com a cultura gaúcha e corta o papo.
Está
longe do padrão esperado.
Veja
o reverso.
É
patriota, fala português, tem cultura gaúcha, é filho de italianos, torce pelo
mesmo time, aprecia tertúlias e churrascadas e gosta de papo.
Aqui
pode-se dizer tratar-se de territorialidade, não geográfica necessariamente,
pois os estados de origens poderiam ser diversos. Tudo mais, não. Retira-se o
endereço. Tudo mais combina.
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