Afinal o que é o
Reino dos Céus
Introdução
Quem, por ventura, afirmar ou
pensar que os tempos mitológicos acabaram, comete um equívoco imenso. A
mitologia surgiu da necessidade de se contar estórias, fez parte da infância do
ser humano. “Deita aí na sua caminha que a mamãe vai contar uma estória para
ti. Era uma vez...”
Se você costuma frequentar
igrejas católicas deve saber que a homilia (leitura do texto bíblico) sempre
começa com a frase “Naquele tempo...” substituindo a frase “Era uma vez...”
É isso. Estamos em plena era
mitológica, mostrando às pessoas as imagens dos santos e deuses que caminham
pelos céus protegendo e quebrando os nossos galhos, desde que, como naqueles
tempos passados, sejamos crianças comportadas para merecer que o papai-noel dos
céus nos beneficie.
Enquanto o ser humano necessitar
de imagens nos altares ou de figuras representativas do que lhe é sagrado, a fé
precisará de mitos, símbolos, totens.
O bem e o mal também precisarão
de mitos representativos. As religiões nascidas com Abrahão explicam o bem e o
mal através dos símbolos “Deus”, poder do bem, do amor, da alegria, da paz; e “diabo”,
poder do mal, do desamor, da tristeza, da guerra.
Deus aparece em vários modelos;
os católicos balançam entre um senhor barbudo, monarca dos mundos e Jesus, que
também é chamado de Deus; Maria, também uma deusa, é chamada de “a mãe de
Deus”; Espírito Santo, que não se sabe exatamente o que é. Os judeus não falam
seu nome e o escrevem como D’us, mas com as variantes de Adonai e Yahweh. Os
muçulmanos o chamam como Alá. Os hindus como Brahma. E tem outros e outros
nomes, que deixam de ser citados aqui para não cansar o leitor.
Em muitas culturas religiosas, Deus
e o diabo (este com vários nomes também) aparecem como antagônicos em luta
permanente enquanto os infantes espirituais estiverem em crescimento para
vencer suas próprias tentações, como naquela estória dos dois lobos, o bom e o
mau, que ficam à espera de quem os alimente. Na verdade, o lobo que for
alimentado, engordará e o lobo que ficar sem alimento, emagrecerá. A vida nos
ensina que é impossível a morte de um e a sobrevida do outro. Os dois extremos
estão presentes em tudo como fatores de aprendizado. O êxito da metáfora é os
dois lobos se entenderem, se fundirem num só decretando o fim da dualidade.
Lá no fundo, precisamos aprender
que um e outro existem para que outro e um se reconheçam. O Yin e o Yang
oriental andam juntos e só formam aquele bonito desenho quando estão
perfeitamente equilibrados. O ponto de mutação, segundo o I Ching, é o
equilíbrio.
A existência do bem e do mal como
forças antagônicas pode ser configurada como uma floresta, pela qual todos
temos de passar. Os espaços livres através dos quais é possível avançar são
ganhos do bem; os espaços ocupados por pedras, arbustos árvores, cipós, espinhos,
são perdas, atrapalhos, obstáculos ou ganhos do mal. Se escolhemos ser
conduzidos por um guia, nunca cresceremos, nem experimentaremos exercer a
autoria (para uns a palavra correta é autonomia – com sentido regência própria,
autogestão) e por falta disso deixarmos de atingir a diferenciação individual e
assim perdemos a chance de nos libertar do bando ou do cardume, alusão a que
também os animais não têm noção de sua individuação, por isso, no geral, fazem
sempre as mesmas coisas.
Se tentamos atravessar a floresta
sem uma boa dose de vontade, persistência e determinação, todo obstáculo nos
derrotará e a tentação de desistir será, sempre, a vitória do mal. Pior ainda
se debitarmos a derrota à ação do demo.
A maioridade espiritual exige
romper com a criança indecisa e carente, cobra a revelação do adulto, a
emancipação do ser que sabe que se não for buscar o pão não haverá pão, que se
não tiver coragem (fé, convicção em si mesmo) o medo o derrotará no meio do
caminho, as tentações o tirarão da rota e não haverá travessia.
Ao demonstrar capacidade para
vencer os obstáculos, cada vencedor chamará para si a dignidade dos capazes,
dos hábeis, dos competentes.
Às simbologias do bem e do mal
temos de acrescentar: o bem é a vitória, o mal é a derrota. Segundo a metáfora
da travessia da floresta, a vitória é atravessá-la, é sair do outro lado onde
haverá outro desafio carregado de luz (do bem) e de trevas (do mal) a nossa
espera. A nossa escolha redundará em destino. O estágio humano não é o último
de nossas almas. E só pela luz andaremos pelo Caminho Sagrado.
A derrota é deixar-se vencer pela
escuridão, entregar os pontos, pedir socorro, ser carregado e admitir o
fracasso. Menos pior se ficarmos no aguardo de uma nova oportunidade para fazer
uma nova tentativa.
Maioridade espiritual é fazer a
travessia e ser chamado para outros desafios mais qualificados.
O exemplo é oportuno: o desenvolvimento
do ser humano no corpo compreende o nascer, crescer até chegar ao máximo das
compreensões que suas experiências proporcionarem depois de muitas décadas de
caminhada pela vida. Aí este ciclo se encerra. Abre-se um outro.
Uma questão de
interpretação
As religiões que tiveram origem
na cultura hebraica e, portanto, no pentateuco bíblico, ensinam aos seus fiéis
que a morte resulta do pecado do homem, fazendo uma associação com o mal.
Passamos, então, milênios detestando a morte, não aceitando a morte, chorando
nossos mortos, enfeitando os cemitérios na esperança de que ali possam estar os
nossos entes queridos levados pela morte.
Nasce, assim, para algumas correntes psicológicas a heresia da separação e a filosofia da exclusão, o intermediário entre quente e frio, luz e trevas, bem e mal, batizado e pagão.
No entanto, esta interpretação tem custado enormes dores a toda a humanidade identificada com a religião judaica, com as religiões cristãs e um pouco menos com as religiões islâmicas.
Todos precisamos saber que o pecador não irá eternamente para o inferno e que o santo não ficará livre dos males. A morte não é uma maldição e ninguém precisa ficar abominando a velhice, a ponto de remeter seus velhos para os depósitos de idosos, descartados como coisa imprestável simplesmente porque está nos umbrais da morte. Mas, agimos assim por conta da cultura religiosa já citada. Os orientais não têm esta interpretação, aceitam lidar com o frio e o calor, com as luzes e as trevas, com o bem e o mal, dignificam seus anciãos e lidam muito bem com a morte.
O apagão espiritual que alcançou
as já citadas correntes religiosas, interferem, inclusive, na mente dos
espíritas, chamados a reciclar seu modo de entender a perda de entes queridos.
Os entes queridos não morrem para sempre do mesmo modo que não vivemos (no
corpo) para sempre. Não existe um céu imaculado esperando pelos cristãos que se
dedicarem ao bem, até porque não existe quem se dedique exclusivamente ao bem,
do mesmo modo que não existe o homem exclusivamente mau.
O espiritismo tem trazido
contribuições inestimáveis ao entendimento dos ciclos vitais, trabalhando ao
lado do que poderia ser uma Psicologia Avançada para formar uma nova cultura
religiosa, a de que só seremos melhores quando soubermos buscar a soma de
nossas forças na construção do melhor. Existe, porém, a necessidade de que ao
lado exista o pior para que nos dê o parâmetro. Como saber se o bem é o bem se
ele não puder ser comparado com outra coisa? Qual é o espírito capaz de
desenvolver-se para o bem se não tiver de também enfrentar suas próprias
tendências para o outro extremo?
Esse é ponto em que a sabedoria
oriental vem em socorro dos espíritas: quando uma alma obtiver seu ponto de
equilíbrio entre o feio e belo, entre o bom e o mau, entre a verdade e a
mentira, estará ela capacitada a transformar-se e mudar de frequência no rumo
da elevação, isto é, fazer a evolução.
O retorno do
Cristo espiritual
Vamos ver se você me entendeu.
Entendeu e aprendeu. Não vejo como semear motivos para a conquista e
reconquista diária da liberdade, isto é, do poder de voar para alcançar novas
alturas espirituais, sem trazer para a análise o estupendo esforço empreendido
por Jesus para explicar, entre coisas essenciais, que a morte não existe. E se
você fizer um pequeno esforço avaliativo perceberá que o evento – não a
doutrina – mais expressivo de Jesus foi a vitória sobre a morte.
E o Mestre não foi devidamente
interpretado por muitos daqueles que se valem de seu legado educativo. Faz 20
séculos que o Mestre continua preso à cruz numa alusão de que deva morrer
novamente, todos os dias, várias vezes ao dia para que fique marcado, evidente,
lembrado, por que Ele foi condenado. E quiçá permaneça morto.
Quantas vezes o Cristo não terá
gritado aos ouvidos moucos de tanta gente: “Tire-me daqui”.
Sádicos é o que são, vendendo-nos
a versão de que fomos nós que o pregamos naquele madeiro e, por isso, devemos
carregar esta culpa por toda a eternidade.
Fundamentalistas é o que são,
retirando dos evangelhos o Cristo espiritual e inventando em seu lugar um Jesus
físico, frágil, cordeiro, mansamente entregue ao abate para que ficássemos
livres do fogo eterno do inferno. Sádicos fundamentalistas aproveitadores.
Aproveitadores materialistas é o
que são, insinuando que é preciso beber o sangue e comer o corpo de Jesus para
merecer ser salvo por ele. Quem faz isso são os índios antropófagos, que nada
tinham de espiritualidade. Materialistas covardes.
Covardes é o que somos sem abrir
um vãozinho em nossas almas para que nelas penetre o espírito crístico,
vencedor, imorredouro, nunca abatido pelos cravos da cruz, a ensinar que a
verdade é o caminho, que a vida tem dimensões e propósitos.
Mas, os sádicos, fundamentalistas,
aproveitadores, materialistas e covardes foram demitidos de seu reinado. Urdiram
leis, ordens, cátedras, dogmas, que envelheceram, caducaram, perderam a validade.
O Cristo chamou para si a comunidade dos caminhantes das casas do caminho,
entregou a cada um uma palma, a mesma que saudou sua entrada em Jerusalém, para
servir de símbolo de seu retorno triunfal ao comando da fé.
Para aquele tempo a sua vinda não
objetivava mudar a lei, mas dar-lhe cumprimento, uma vez que cada um a
interpretava de um modo. Para este tempo a sua vinda é para resgatar a lei que
foi fraudada.
“Quando o homem esqueceu que
comunidade significa igualdade, deformando-a com suas leis, nesse dia nasceu o
ladrão”, ensinava Carpócrates quase que ao mesmo tempo em que Jesus ali numa
outra montanha ensinava, ao vivo, seu evangelho libertador amoroso.
“O homem que é interiormente
grande saberá que o tão esperado amigo de sua alma, o imortal, chegou de fato,
para tornar o cativo cativeiro” (Jung). A ele, o homem e a mulher dirão sim. A
rendição dos propósitos limitados do ego aos objetivos muito mais amplos da
alma é o que dá sentido à vida. Tudo mais passará. A alma não passará.
A missão de
Jesus sem enigmas
Muito já se disse sobre Jesus e,
no geral, por intermédio de interpretações controvertidas. Uns querem-No
descido dos céus, de retorno à Terra sem a perda do corpo e nascido de Maria
sem a intervenção de José; outros preferem aceitar ter sido Ele um Homem como
qualquer outro, em cuja morada corporal habitou um dos espíritos mais evoluídos
das hierarquias celestes.
Polêmicas à parte (não é esse o objetivo do blog) sempre sobram dúvidas, enigmas, mistérios, passagens que mesmo os mais profundos conhecedores teriam cautela em fazer referências. Uma série de fatos, no entanto, assume relevância quando olhamos para o aspecto espiritual de sua missão na Terra.
Acompanhe o raciocínio:
1. O seu nascimento não foi apenas do conhecimento dos seus mais chegados familiares (Maria, Zacarias, Isabel, José). Também algumas autoridades religiosas de países e continentes vizinhos receberam esta notícia, como seus familiares, também por via mediúnica, aquele trabalho que se dava aos anjos ou arcanjos. Foi esse o caso dos chamados reis magos (Gaspar, Baltazar e Melchior), que vieram de longas distâncias para prestar celebração ao fato da encarnação do esperado Messias, anunciado reiteradamente nos seis séculos precedentes por figuras inquestionáveis da Bíblia judaica.
2. Ao seu batismo nas águas do Rio Jordão, Ele comparece e sem nenhuma pompa se oferece para ser batizado por João Batista, que era uma possível reencarnação de Elias. No mesmo instante, narra o Evangelho, uma pomba simbolizando o Espírito Santo faz anunciar, sem dizer por intermédio de quem (ali não diz): “Eis aqui o meu filho muito amado em quem ponho a minha afeição”.
3. Na sequência, segundo o mesmo Evangelho, ele se isola durante quarenta dias para jejuar e oferecer-se às tentações e retorna com todo um plano de trabalho acabado, que anuncia retumbantemente. Tem início a sua vida pública. Não se tratava apenas das “Bem-aventuranças”, como constam de seu primeiro discurso, os evangelhos dedicam cerca de quatro páginas para descrever os conteúdos daquele “plano de trabalho”. Para conferir a extensão desta proposta leia os capítulos 5, 6 e 7 do Evangelho de Mateus.
4. Então Ele sai a percorrer vilas, cidades e interiores. Preside mais de 40 curas, consideradas milagrosas, entremeadas por novos discursos, mas não assume as curas como suas (tua fé te curou, repetia Ele, sempre); faz a multiplicação dos pães; vai ao Monte Tabor e propicia a um pequeno grupo de discípulos o espetáculo da “transfiguração”, em que aparecem os espíritos de Moisés e Elias; anuncia os dois grandes mandamentos, como síntese de sua doutrina; promove a ressurreição de Lázaro e, alguns dias depois, a Sua própria.
5. É preso, acusado, crucificado, sepultado, reaparece a várias pessoas, dentre elas alguns estranhos ao seu grupo.
À guisa de dedução: Ainda que
reunidos em apenas cinco tópicos, não foram apenas cinco os episódios que sinalizam
tratar-se, efetivamente, de alguém muito especial encarnado naquele judeu de
Nazaré. Esta criatura não foi um fato isolado na História da Humanidade. A
espiritualidade participou decisivamente com Ele e Ele sabia disso, tanto que
por mais de uma vez sentenciara: “Toda autoridade me foi dada no céu e na
terra”. Sabia usar sua autoridade e seus poderes especiais com extrema
eficácia, e demonstrava estar em estreita ligação com a espiritualidade maior,
a mesma que por vários episódios demonstrou estar com Ele.
Passados 2 mil anos, continuamos
a nos encantar com suas obras, único personagem reconhecido e respeitado por
todos os credos e o único pensador a ter sua cátedra reiteradamente reafirmada.
A maior credibilidade lhe é atribuída quando O aceitamos como um homem igual a
qualquer outro, porém, portador de um Espírito de elevada hierarquia. Duvidosa
se torna a Sua credibilidade quando O tomamos por um Deus vivificado na carne e
elevado aos céus em seu próprio corpo. Como também se torna mais difícil de
aceitar que Ele voltará ao nosso meio novamente naquele corpo que lhe serviu de
veículo. Mais fácil de aceitar é quando O aceitamos entre nós através do
Espírito da Verdade, por Ele mesmo anunciado nos capítulos 14 e 16 do Evangelho
de João. Sem enigmas, sem dogmas, sem mistérios insondáveis, o Divino Trabalho
de Jesus nos cai como uma bênção de Deus, como uma tentativa de Deus de
promover uma Transformação com a Humanidade deste Planeta.
O Reino dos Céus explicado por Jesus (I)
Agora, então, já podemos falar da proposta maior deste artigo. Eram
dias de muita ansiedade para o Mestre Jesus, que sabia de seu calvário imediato
nas mãos das autoridades que já haviam decidido matá-lo antes mesmo daquela
pantomima do julgamento com o jogo de empurra entre o Sinédrio e Pilatos. Ele
estava em ritmo de despedidas para com os membros da equipe de suas muitas
missões educativas, percorrendo vilas, cidades e interiores. O seu último
sermão estava reservado para falar do Paráclito – porta-voz ou intermediário –
a ser enviado ao mundo para ser o Espírito da Verdade e encaminhar a instalação
do Reino dos Céus. Sempre se mistificou a real Grande Missão do Cristo. Lá nos
evangelhos é dito: derrotar Lúcifer e instalar no planeta o Reino dos Céus.
Aqui se abre um poderoso hiato filosófico para decodificar o que
sustentam esses conceitos de Lúcifer e Reino dos Céus, ou se quisermos
imediatamente ir assimilando, trevas versus luzes.
Num longo discurso, num sábado, véspera de sua entrada em
Jerusalém, o Mestre deixou bastante claro que o Reino dos Céus deve começar com
o conceito integrado da verdade da paternidade de Deus e do fato correlato da
irmandade dos homens. Em razão disso Ele repetiu “Amai-vos uns aos outros, como
eu vos amo“ e, com muita tristeza pelas despedidas assegurou “O que pedirdes ao
Pai em meu nome, Ele vos dará”.
Novamente se abre um poderoso hiato filosófico para decodificar o
ele estava ensinando ser o Pai e o que, segundo Ele, o que significa pedir.
A cátedra de Jesus era estranha à maioria dos judeus. Uma casta
ilustrada tinha acesso aos então elevados conhecimentos sagrados, também
chamados de Gnose. Mas, a cátedra de Jesus era dirigida aos pobres e, entre esses,
estavam os radicais fariseus, zelotes e saduceus, etc., fundamentalistas, que
se julgavam herdeiros da sabedoria antiga – que não refletiam o melhor saber –
tanto quanto queriam o fim do domínio romano sobre seus clãs. Mas, não eram os
únicos opositores à boa nova (evangelho), havia também os escribas, espécie de
jornalistas daqueles tempos, os publicanos, espécie de servidores públicos e o
alto clero, todos no gozo de privilégios outorgados pelo Império Romano, a quem
a presença de Jesus muito incomodava. Por isso, Ele tinha ferrenhos adversários
entre a plateia que acompanhava sua pregação e também nos bastidores.
Imaginemos de alguma forma um Marx falando em riqueza para todos
num momento em que o capitalismo mais espaço conquistava no mundo. Se trouxer
esta mesma situação para os dias atuais ainda não seria coisa fácil.
Contudo, em meio a incompreensões, críticas, cobranças,
perseguições, traições, maquinações e denúncias, o Mestre caminhava entre o
povo e expunha sua proposta: um reino com outros valores. Valores esses que
estavam nos céus, onde espiritualmente é a morada de Deus.
Creia, era uma época de repressão, miséria, arrocho fiscal,
presença ostensiva do aparato policial/militar, espionagem, delação, controle
da atividade privada, medo em meio a uma nesga de esperança.
A ideia de um Deus magnânimo havia fracassado. Por inúmeras vezes
o povo estivera sob cativeiro. Em milhares de anos, apenas os reinos de Salomão
e Davi tinham sido de satisfação. De volta à Palestina, o povo judeu se tornara
novamente cativo, através de Roma.
E agora, esse provável impostor – como muitos outros antes e ao
mesmo tempo – vinha falar de libertação, salvação, plenitude. O que era isso?
Reino dos céus? Amor? Nada disso era compreensível...
O Reino dos Céus explicado por Jesus
(II)
Jesus declarava que a aceitação, pelo povo, de seus ensinamentos,
libertaria o homem da sua longa escravidão e o levaria a um tempo rico para o
viver humano, com os seguintes dons da nova vida de liberdade espiritual
(observem os contrastes com aquilo que estava posto):
2. Essa boa nova carregava a mensagem de uma confiança nova e de
uma consolação verdadeira para todos os homens, principalmente para os pobres.
O sofrimento fazia parte do aprendizado, do resgate. Adiante viria o apogeu.
3. Era, em si mesmo, um novo padrão de valores morais, uma nova
medida de ética com a qual se podia avaliar a conduta humana. Ela ilustrava o
ideal resultante de uma nova ordem na sociedade humana, em que o Amor vinha
substituir a Vingança.
4. Ela ensinava a primazia do espiritual sobre o material; ela
glorificava as realidades espirituais e exaltava os ideais supra-humanos pelo
qual Deus podia se manifestar diretamente no meio do povo, dispensando os
profetas.
5. Esse novo evangelho ressaltava a realização espiritual como a
verdadeira meta da vida. A vida humana recebia um novo dom de valor moral e de
dignidade divina.
6. Jesus ensinou que as realidades eternas eram resultados,
recompensas, do esforço terreno de retidão. A permanência mortal do homem na
Terra adquiriu um novo significado, em consequência do reconhecimento de um
destino nobre na continuidade da vida material.
7. O novo evangelho afirmava que a salvação humana é a revelação
de um propósito divino de longo alcance a ser cumprido e realizado, em destino
futuro, no serviço sem fim dos salvados filhos de Deus.
Esses ensinamentos cobrem a ideia (versão atualizada) do Reino dos
Céus (a luz – conhecimento sagrado, aquisição de valores) em contraposição com
o reino de Lúcifer (trevas – ignorância, perda de valores, raiva, vingança),
como foi ensinado por Jesus. Nos evangelhos isso está muito claro, porém
escrito por homens do povo para homens do povo. Esse grande conceito não estava
incluído nos ensinamentos elementares e confusos dos pregadores anteriores,
inclusive João Batista. E sinaliza conter a elevada cátedra já absorvida pelos
iniciados no saber sagrado da época e atual.
A menos que os evangelhos tenham sido modificados pelo Conselho
Superior criado pela igreja de Roma, os apóstolos foram incapazes de
compreender o significado real das palavras do Mestre a respeito do Reino dos
Céus. Também as autoridades entendiam-no como o governo do país. Veja que o
Império Romano tinha todos os motivos para entender aquilo como uma insurreição
para justificar os maus tratos aplicados ao ilustre prisioneiro e também,
depois, para adaptar aqueles evangelhos ao sabor de seu interesse pelo poder.
Veja também que foram essas as acusações que resultaram na
condenação de Jesus: blasfêmia perante a religião judaica e insurreição
política perante a lei romana.
O grande esforço que os sermões de Jesus representava, era a Sua
tentativa de converter o conceito do Reino dos Céus no ideal que é fazer a
vontade de Deus, não de futuro, nem através do poder temporal e sim
imediatamente: iluminar os homens.
O Mestre vinha ensinando seus seguidores a orar, prática que se
mostra eficaz segundo comprovação científica. O termo “Pai celeste” precisava
ser usado, como ainda hoje acontece, por força da cultura, segundo a qual o
rei, o chefe, o protetor é o provedor de tudo. Mas, os ilustrados gnósticos que
detinham o conhecimento sagrado, sabiam que ele estava se referindo a algo como
hoje entendemos ser a força do pensamento, a inteligência, a criatividade.
Os filhos libertados de Deus, e empenhados no serviço voluntário e
cheio de júbilo, ao semelhante, e na adoração sublime e inteligente de Deus,
compunham a mudança em relação a uma descomunal luta egoística instalada entre
os judeus. Os discípulos de Jesus eram vistos como gente esquisita e o que é
pior, mudaram o foco da mensagem, como se verá
Isso ainda prossegue.
O Reino dos Céus explicado por Jesus (III)
Naquela tarde de sábado, véspera
de sua entrada em Jerusalém, o Mestre ensinou claramente sobre um novo conceito
de dupla natureza do Reino dos Céus, descrevendo-as:
Primeira: o Reino dos Céus, isto
é, da luz, do bem, de Deus, como Proposta da Vida. Nele, o desejo supremo dos
homens é fazer a vontade de Deus; prevalece o amor não egoísta entre os homens;
intensifica-se o plantio daquilo que dá bons frutos; uma conduta mais ética e
mais moral preside as relações apesar da existência das trevas em contrapartida.
Trevas ou dificuldades,
problemas, males, são entendidos como desafios a que somos chamados a enfrentar
para adquirir capacidade, autonomia, deixar de ser crianças e alçar voo
próprio.
Segunda: o Reino dos Céus, da luz
em meio às trevas, é a meta dos crentes mortais, é o estado em que o amor por
Deus é perfeccionado, e em que a vontade de Deus é feita mais divinamente
manifestada nos homens. Significa a depuração, a evolução, o alcance do
propósito da existência da vida para esta dimensão dos homens.
Tentando fazer uma síntese: a
escolha tem de ser de cada indivíduo, não há salvador, há educador, tem de
haver aprendizagem, mérito, caminho sagrado, e assim salva-se quem tiver
assumido a nova conduta, porque ninguém virá buscar-nos pela mão como se
fôssemos inválidos.
O mundo continuará sendo dual, o homem continuará sendo dual. Os dois lobos existem. Um é mau, está no escuro das trevas, nas profundezas e nos chama para sua companhia onde os resultados da escolha são incompreensões, críticas, cobranças, perseguições, traições, maquinações e denúncias, repressão, miséria, arrocho fiscal, presença ostensiva do aparato policial/militar, espionagem, delação, controle da atividade privada, medo (assim estava a Palestina daqueles tempos, assim está a sociedade atual). O outro é o lobo bom e está nas alturas dos céus, de onde vem a luz, que nos acena com esperança, solidariedade, respeito, responsabilidade, paz, amor.
Cada um de nós tem sua escolha.
Se você escolhe a luz, você tem de fazer e ajudar fazer exatamente o oposto de tudo quanto fizemos até hoje e que redundou neste caos que se abate sobre nós. Não é coisa fácil. Foi o próprio Mestre Jesus que falou: a porta é estreita.
O Reino dos Céus explicado por Jesus (epílogo)
Síntese conclusiva:
A cátedra de Jesus é libertadora
em contraste com a brutal ausência de liberdade e afirmação do povo a quem Ele
mais diretamente falou. E como falou para um povo tremendamente sofrido,
escravo, iletrado, quase todas as suas falas foram por parábolas, isto é,
fazendo ilações com coisas simples e de fácil compreensão.
E não é de outro modo que esta
página deseja abordar a imensidão daquela cátedra vista por quem já não é tão
sofrido, já deixou cativeiro e já foi à escola.
Tomemos por parâmetro Lao Tzu,
dado como autor do Tao Te Ching, sábio chinês, que viveu alguns séculos antes
de Jesus. Pertencem-lhe as frases a seguir:
“Quanto mais proibições e tabus
existirem no mundo, mais pobre será o povo; quando mais armas afiadas o povo
tiver, mais conturbado se tornará o Estado; quando astúcia e perícia o homem
possuir, mais viciosas as coisas parecerão; quanto mais leis e ordens forem
enfatizadas, mais ladrões e assaltantes haverá”.
Lao Tzu nunca esteve sozinho nas
suas, digamos, predições da deterioração do mundo coletivo. Antígona, Diógenes,
Epicuro, Rousseau também escreveram sobre a índole insana da massa enquanto o
indivíduo não se torne livre para si mesmo, livre dos tabus e livre dos
mandamentos.
Por mais infantis e impraticáveis
que soem aos exaustos ouvidos contemporâneos, as palavras de Lao Tzu contêm uma
introspecção psicológica que se apresenta válida e consubstanciada na cultura
dos séculos XX e XXI.
Em escala coletiva, assim como no
plano individual, não existe verdadeira moralidade sem liberdade.
Explico: o ser humano que se
torna comportado porque a lei terrena assim exige ou porque há uma câmera
filmando seus atos, esse ser não é moral e isso não é liberdade, é cativeiro. Circulou
na internet um “aviso importante” alertando os motoristas para os locais em que
se encontram os radares da Polícia Rodoviária em vários pontos das estradas.
Entenderam a índole?
Se, porém, o ser humano se torna
comportado, com moralidade, porque a sua consciência assim dita, ele venceu a
fase do cativeiro, se tornou livre e pode aceitar seu destino como uma tarefa
confiada a ele pela lei do crescimento espiritual. Em vez de submeter-se a leis
impostas de fora, a pessoa em processo de individuação de sua personalidade
submete-se à lei que rege seu espírito e, desta maneira, assume a
responsabilidade pela individuação de forma lúcida e consciente.
Diga-se: autonomia.
Conceito de autonomia: a lei está
em mim, não está fora de mim.
E mais:
“Eu não sou cria ou cópia de
ninguém; ao contrário, eu aconteço para mim mesmo. Não preciso de nenhuma outra
lei. A única lei que existe é a Lei Maior que rege o cosmo. Invocado ou não,
aceito ou não, Deus está presente nessa Lei”, diria o ser liberto, autônomo e
emancipado, maior espiritualmente, e alcançado pelas luzes que, quanto mais
intensas forem para mais longe irão levando as trevas que existiam.
Os não emancipados estão
aguardando o retorno de Jesus para, outra vez, oferecer-se ao sacrifício para
nos libertar.
Assim fica fácil de entender o
Amor a nós apresentado por Jesus. Assim fica mais fácil de entender o Reino dos
Céus, como Ele veio ensinar.
Em algum ponto da vida, desta ou
de outras, seremos chamados a dizer sim a alguém ou a algo maior e mais
significativo do que família, marido, esposa, filho, sociedade, carreira, país
e outras pedras de toques egóicas da vida mundana.
Só esse sim trará a verdade que
produz libertação; só esse sim trará o tipo de grandeza interior que revelará
para o homem e para a mulher, a sua verdade, a maior de todas as verdades ao
alcance humano.
Só através de um raciocínio
avançado como este se torna possível entender o que Jesus afirmou em Lucas 14;
16-35, quando uma má tradução do hebraico para o grego fala em odiar a família
para servir a Deus. Na verdade é desligar-se do ego para entender o chamado de
Deus.
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